quarta-feira, 7 de setembro de 2011

RAPOSA

raposa no galinheiro

Policial civil da cúpula era agente duplo

Em 26 de janeiro do ano passado, uma escuta telefônica autorizada pela Justiça descobriu que uma quadrilha de milicianos tinha um informante dentro da Corregedoria da Polícia Civil. Essa história veio à tona no GLOBO, em agosto do mesmo ano. Um ano depois finalmente foi deflagrada uma operação policial da Delegcia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) em parceria com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público estadual, que prendeu cinco pessoas - entre elas um ex-PM - da lista de 17 denunciados pelo MP por envolvimento com a milícia dos irmãos Jerominho e Natalino, que estão presos desde 2007.
O policial que agia como informante, um verdadeiro agente duplo, foi identificado como sendo o inspetor Anísio de Souza Bastos, de 51 anos - 30 dos quais na polícia - agora aposentado e, pasmem, foragido. Ele conseguiu escapar ao cerco e até ontem negociava sua rendição por meio de seu advogado, que pediu que o cliente fique em Bangu 8, unidade penitenciaria para dententos especiais. O inspetor teme ser aprisionado com criminosos que mandou para a cadeia. Mas qual seria a diferença entre o policial e esses criminosos? Esses bandidos, quaisquer que sejam eles, são menos cínicos. O policial era simplesmente o chefe de investigação da Corregedoria. Sua denúncia pelo Ministério Público é a prova cabal de que são maiores e mais profundas as conexões de milícias com o aparelho policial. É bem verdade que o agente duplo não trabalhava por causa dos belos olhos de nenhum miliciano. O serviço custava à milícia R$ 40 mil por mês. Mas imagine você a garantia que é, para um criminoso, obter informações privilegiadas diretamente de um dos corações da polícia.
Por isso não deixamos de bater na mesma tecla. Enquanto não houver uma profunda reforma nas polícias, das grandes cidades brasileiras -- e não apenas no Rio -- todo o trabalho de repressão ao crime organizado será enxugar gelo, assim como foi com o tráfico de drogas nas favelas. Como diz um leitor assíduo deste blog, que se identifica como Anhanguera e eu chamo de Cacique, polícia definitivamente não é lugar de bandido.
Leia a matéria na íntegra:
Por Ana Cláudia Costa e Vera Araújo, do GLOBO
Apesar dos muitos integrantes da milícia dos irmãos Jerônimo e Natalino Guimarães que foram presos desde 2007 — são 123 na cadeia até hoje —, a quadrilha continua atuando em Campo Grande. Uma prova disso foi a operação deflagrada ontem pela polícia, para prender mais 17 membros da quadrilha. Embora apenas cinco tenham sido capturados, todos os acusados já foram denunciados pelo Ministério Público. Entre eles, há um policial que, quando estava lotado na Corregedoria de Polícia Civil, atuava como
informante do bando.

Chefe de investigação da corregedoria até o ano passado, o inspetor aposentado Aní-sio de Souza Bastos, de 51 anos — 30 deles na polícia —,  está negociando sua rendição com a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco). Segundo a Secretaria de Segurança, o advogado de Anísio pediu que seu cliente fique em Bangu 8, unidade para detentos especiais, alegando que há pessoas detidas pelo inspetor aposentado no sistema penitenciário convencional. Em agosto do ano passado, O GLOBO publicou transcrições de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, que revelaram que milicianos tinham como informante um agente da corregedoria.

Segundo o promotor Marcus Vinicius Moraes Leite, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Públco, o agente recebia cerca de R$ 40 mil por mês para repassar informações.

— A investigação comprovou que a engrenagem dessa milícia é grande, com centenas de pessoas envolvidas. Por isso, o combate à organização criminosa demanda um esforço contínuo — disse Marcus.

O delegado Alexandre Capote, titular da Draco, disse que a função de Anísio não era apenas passar informações sigilosas sobre operações policiais. Outra atribuição dele era prejudicar uma milícia rival, a do ex-PM Francisco César Oliveira, o Chico Bala, fazendo operações contra o grupo, também da Zona Oeste.

A milícia dos irmãos Jerônimo e Natalino Guimarães tem como braço direito Ricardo da Cruz Teixeira, o Batman. Tanto os irmãos como Batman estão presos num presídio federal em Campo Grande. O grupo
agora está sendo chefiado pelo ex-PM Toni Angelo Souza Aguiar. Um dos que tiveram a prisão preventiva decretada, ele está foragido da Justiça.
De acordo com a denúncia do Gaeco, os milicianos são responsáveis por uma grande variedade de crimes, como homicídios, extorsões, posse e porte ilegais de armas. O objetivo é a “dominação territorial e econômica de toda a região por meio da violência e da imposição do terror”.
As principais atividades ilícitas da quadrilha, ainda de acordo com os promotores, são o domínio do transporte alternativo; a exploração de máquinas de caça-níqueis; o monopólio da venda de gás a preços superfaturados; a cobrança de taxas de segurança; a distribuição ilegal de sinal de TV (“gatonet”) e a exploração de depósitos clandestinos de combustível.

A operação de ontem começou ainda de madrugada. Durante a ação, 150 policiais civis cumpriram, em 33 endereços, mandados de busca e apreensão requeridos pelo Gaeco e expedidos pela 42ª Vara Criminal da Capital. Foram apreendidos cerca de R$ 45 mil (R$ 33 mil em dinheiro e o restante em cheques), uma pistola, três carregadores de munição, um Ford EcoSport, computadores, uma máquina de contar dinheiro, documentos e material relacionado a caça-níqueis.

O delegado Alexandre Capote batizou a operação de Pandora, por abrir a caixa-preta dos milicianos. Foram presos o ex-PM Alex Rangel dos Santos, Ruan de Oliveira Silva, Márcio Vale de Souza, Jaqueline Cunha de Carvalho e Queli Cristina de Carvalho Nascimento.

Antes da prisão de Batman, milicianos circulavam de caminhonetes blindadas pela Zona Oeste. Agora, segundo o delegado Alexandre Capote, as mulheres é que vigiariam os negócios. De acordo com ele, Jaqueline e Queli atuavam como gerentes. Cabia também às duas mulheres levar o dinheiro arrecadado com mototáxis e “gatonet” para aos milicianos presos, inclusive no Batalhão Especial Prisional (para PMs).

Elas também vigiavam moradores de Campo Grande para os integrantes da quadrilha e repassavam informações para o policial da corregedoria. A dupla chegava a usar uma luneta para vigiar os moradores
e impor suas regras.


Entre os que foram denunciados pelo MP e que já estavam presos estão o policial militar Ivo Mattos da Costa Junior, o ex-PM Carlos Ari Ribeiro, Michel Cunha de Carvalho e Bruno Leonardo de Matos Ferreira. O primeiro está preso no BEP, em Benfica, e os demais, em unidades de Bangu.
De lá, continuavam comandando os negócios. Segundo a Draco, eles passavam as ordens por meio de celulares.
O deputado Marcelo Freixo (PSOL), que presidiu a CPI das Milícias, concluída na Alerj em dezembro de 2008, enfatizou a importância de o estado atacar o poder econômico e territorial das milícias:

— A milícia do Natalino e do Jerominho era uma das mais importantes e, apesar das prisões, ainda não acabou. Eles continuam dominando vans, gás e território. Se o estado não tirar o poder econômico e territorial deles, as prisões não terminarão nunca. Foram centenas de milicianos presos, mas eles continuam a crescer.
Em 2008, eram mais de 170 áreas dominadas pelas milícias no Rio. Hoje existem mais de 300. A prisão desse policial civil (aposentado), que era informante, comprova o caráter de máfia das milícias.

Para o jurista Walter Maierovitch, presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, é preciso rastrear os sinais de riqueza dos policiais:

— Aqui no Brasil, as polícias não acompanham os indícios de riqueza de seu pessoal. Fala-se tanto de inteligência, mas não se cuida da própria casa.
Responsável pelas investigações que estão desarticulando quadrilhas de milicianos, a Draco já prendeu, de 2007 a junho deste ano, 582 acusados. Entre os presos, segundo o delegado Capote, estão cinco vereadores, um deputado, um delegado federal, policiais militares e civis, além de vários integrantes das Forças Armadas.

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